A saúde pública do Distrito Federal virou palco de um experimento. Agora, o GDF decidiu implementar, sem qualquer transparência, um modelo de atendimento que distancia o médico da comunidade: colocando em xeque o atendimento básico de saúde. A partir do dia 11 de novembro, três Unidades Básicas de Saúde (UBS), duas em Planaltina e uma no Recanto das Emas, iniciarão a chamada “UBS Figital”. O que isso significa? Um atendimento remoto, onde o médico estará do outro lado da tela, atendendo a R$120 por hora, com a meta de três pacientes por hora. Mais uma vez, o GDF improvisa.
À primeira vista, a iniciativa parece prática: onde falta médico, a telemedicina chega. Mas a realidade é outra. Esse modelo de atendimento “figital” – que mistura o físico e o digital, com a equipe de enfermagem presencial e o médico à distância – compromete a essência da saúde da família. Em vez de aproximar o médico da comunidade, o GDF prefere limitar a interação, o acompanhamento e o vínculo: tão essenciais para a saúde preventiva e para o atendimento humanizado.
A proposta de uma UBS Digital entra em contradição com o princípio básico da saúde da família: a proximidade. Esse modelo ignora que o atendimento presencial é insubstituível para muitos pacientes que dependem de um médico que possa examinar com atenção cada detalhe, que conheça o histórico pessoal e familiar, e que desenvolva uma relação de confiança e continuidade. Em vez disso, o GDF opta por um atendimento fragmentado e digital, distanciando o paciente do cuidado direto e especializado.
E a questão do financiamento é outro ponto preocupante. O GDF frequentemente alega falta de recursos para investir no fortalecimento da saúde pública, como a recomposição salarial dos médicos. Mas, nesse projeto, decidiu alocar verba para contratar profissionais a distância, numa tentativa apressada de ampliar o atendimento sem o planejamento necessário. Com isso, corre-se o risco de que pacientes tenham um atendimento instável e inconsistências nas informações – já que a integração entre as equipes de enfermagem e os médicos remotos nem sempre será fluida.
Sequer há informações oficiais claras sobre o projeto. Nenhum comunicado detalhado foi disponibilizado para os profissionais de saúde ou para a população. Médicos estão sendo recrutados por meio de um formulário, e o período experimental de 30 dias parece mais uma corrida contra o tempo do que um teste bem planejado. Em um sistema onde cada detalhe conta, a pressa e a falta de clareza revelam uma gestão de improvisos, deixando profissionais e pacientes inseguros.
A UBS “Figital”, da forma como está sendo implementada, evidencia o descompromisso do GDF com uma saúde pública robusta e próxima. Outros estados podem até ter tentado algo similar, mas Brasília possui uma realidade única – mal conseguimos fazer o bê-á-bá, já que temos a pior cobertura do país na atenção primária à saúde (59%). E isso exige soluções personalizadas e investimento real em estruturas físicas e profissionais capacitados para garantir um atendimento de qualidade. A saúde pública não é terreno para experiências apressadas e improvisos.
Importante lembrar ainda que a regulamentação da teleconsulta prevê a primeira consulta presencial. Ou seja, há muitos pontos que ainda parecem falhos e pouco (ou nada) esclarecidos. O fato é que se queremos uma saúde que realmente funcione para o cidadão, precisamos de um compromisso sólido com a presença física e o atendimento humano. Um diagnóstico limitado pode levar a erros. Muitos sinais clínicos, como mudanças de cor da pele, lesões ocultas ou sons específicos, podem passar despercebidos sem o toque e a observação detalhada do médico. A saúde pública exige que o cuidado esteja próximo, que o médico conheça a comunidade, suas necessidades e seu contexto. Saúde não faz com conexão remota. Ela é sinônimo de proximidade e de compromisso com quem precisa.